Até Rainha da Inglaterra acenou para prostitutas do bar mais tradicional do Recife Antigo
Sidney Motta 2002
"No Bairro do Recife, situado do lado de baixo do Equador, ficado abolido o pecado". Este decreto faz parte da Constituição da República Independente do Recife Antigo, de autoria do ex-ministro Gustavo Krause, também ex-freqüentador do Bar e Restaurante Gambrinus. Inaugurado em agosto de 1930 por Hernet Fritz e ampliado em 1945 por José Pereira da Silva, o Gambrinus era o bar mais antigo do Bairro do Recife até 2000, quando foi obrigado a fechar as portas para a restauração do prédio onde funcionava. Abrigou a nata da boemia e da intelectualidade. Já bebeu do seu chope claro e escuro gente como o escritor Ariano Suassuna. Histórias não faltam, como conta ao Beijo da rua o último proprietário do bar, seu Fernando Ribeiro Pereira, de 67 anos, filho do seu José Pereira, já falecido. Uma das melhores passagens é a da visita da Rainha da Inglaterra, em 1968. Ao ver tantas mulheres nas janelas, acenou para elas pensando que estivesse sendo homenageada. O Gambrinus funcionava no térreo do edifício Chanteclair, construído no início do século, principal ponto de prostituição da região portuária do Recife. No térreo do edifício ficavam os estabelecimentos comerciais e nos dois andares superiores as pensões, onde moravam e faziam os programas as prostitutas. O Chanteclair parou de funcionar no início dos anos 80, com a redução da atividade no porto, mas só começou a ser restaurado em 2000. Seu Fernando passou toda a infância e juventude no Recife Antigo, vivendo o auge da boemia e da prostituição, com o porto lotado de navios de várias nacionalidades. "O dólar mandava aqui. Tudo se cambiava por dólar", conta ele. Pela decadência do porto, culpa a administração pública por não valorizar a região. Mas "como confiar em quem não bebe, não fuma e não trepa!", diz seu Fernando, referindo-se a Roberto Magalhães, ex-prefeito do Recife e evangélico. “As prostitutas do meu tempo andavam vestidas de longo, bom sapato e perfume francês. E só podiam descer às nove da noite. Tinha que ter gabarito”
Beijo - Como era o Recife Antigo?
Fernando - Todos os prédios eram da prostituição. A prostituição acompanhou a decadência do Porto do Recife. Isto aqui era cheio de vuco-vuco ou rendez-vous, como a gente chamava na época.
Beijo - Quem eram os principais freqüentadores?
Fernando - A freqüência nos puteiros era muito misturada. O que mandava era o dólar, mas havia alemães, franceses, coreanos. Várias mulheres se casaram com ingleses e franceses. Tudo se cambiava com dólar.
Beijo - Sempre foi área de prostituição?
Fernando - Não. As prostitutas ficavam no Centro. Na rua Duque de Caxias, das Flores, ali pelo Mercado São José e na rua do Diário de Pernambuco. Em 1948, o chefe de polícia, Ramos de Freitas, transferiu as mulheres do Centro da cidade para o Bairro (Recife Antigo). Mas hoje elas estão voltando para lá.
Beijo - Desde quando o bar está fechado?
Fernando - O bar está fechado há dois anos, quando a Justiça e a prefeitura interditaram o prédio Chanteclair para restauração. Mas até hoje as obras não começaram.
Beijo - Quem cuidava do Chanteclair?
Fernando - Quem explorava o Chanteclair eram dois portugueses, os irmãos Amorim. Ele ficaram ricos cobrando ingressos para se entrar no Chanteclair. E o Gambrinus funcionava embaixo, como os outros estabelecimentos. Ia tudo mundo: usineiros, políticos, poetas, putas. Teve uma, chamada Maria Matulão, que casou com um holandês e anos depois apareceu aqui já com os filhos criados.
Beijo - Era comum isso acontecer?
Fernando - Sim, muitas se casavam. Algumas tinham as despesas da pensão pagas por usineiros. Muitos deles, quando enviuvavam, se casavam com elas. A Maria Magra foi prostituta aqui mesmo e depois virou dona de pensão. Casou com um comandante da marinha mercante, suíço ou sueco, está bem, morando num apartamento à beira-mar!
Beijo - Que diferenças existem entre a prostituta de ontem e a de hoje?
Fernando - As prostitutas do meu tempo, até os anos 60, não eram iguais às de hoje, não! Que andam de bunda de fora, de alpargatas ou de pé no chão. Elas andavam vestidas de longo, bom sapato e perfume francês. Só podiam descer da pensão a partir das nove horas da noite e ficar até as cinco da manhã, por determinação da polícia. Pra ser prostituta tinha que ter gabarito!
Beijo - É verdade que elas não viram a passagem da rainha Elizabeth II, porque as autoridades mandaram lacrar janelas das pensões?
Fernando - É mentira. Quando a rainha passou, ela acenava para o alto. Para as meninas, sem saber que eram putas.
Beijo - Era perigoso circular em alguma área?
Fernando - Tinha a rua da Guia, que era a região das prostitutas mais barra pesada, mulheres valentes, todas cortadas de navalha. Só quem ia com aquelas mulheres eram estivadores, indivíduos ignorantes que pegavam no pesado.
Beijo - E a malandragem?
Fernando - Não havia violência. Existia o batedor de carteira, o brigão que começava a beber... Tinha o Bacalhau homossexual, que morava na rua da Guia. O Lolita brigava com três policiais, lutava capoeira, e escapava de ser levado preso. Ele entrava sempre no Gambrinus pedindo dinheiro. Era moreno baixinho, mataram na Bahia. Um casal estava caminhando e ele passou a mão no rosto do homem. O cidadão levantou o paletó, tirou o revólver e deu dois tiros. Tem a Tereza, que hoje a gente chama de puta velha, mas na época ela não era assim não gordona, era muito bonita e valentona, faturava feito o diabo. Mora até hoje aqui no Bairro! Ela diz que só sai daqui quando morrer
O prefeito João Paulo (PT) assinou o decreto hoje pela manhã. “Tentamos até o último momento viabilizar o empreendimento pela iniciativa privada, mas infelizmente não foi possível. Queremos garantir a manutenção do projeto inicial para o Chanteclair que é de recuperá-lo para ser um centro cultural para a cidade. Após a desapropriação, buscaremos parcerias com a iniciativa privada”, afirmou.
“A desapropriação visa garantir ao município a possibilidade de realizar o trabalho de restauração e recuperação da estrutura, da fachada e da coberta do Chanteclair. A Prefeitura do Recife irá concluir o serviço inicialmente gerenciado pela iniciativa privada, paralisado em 2004. O repasse dos recursos necessários para a realização das obras está garantido pelo Monumenta/BID”, diz a nota enviada pela assessoria da PCR.
A desapropriação está inicialmente avaliada em R$ 900 mil. Já recuperação do prédio é outros quinhentos - melhor, outros milhões.
“O Edifício Chanteclair integra o conjunto arquitetônico do Pólo Alfândega, no Bairro do Recife. Ele data do fim do século XIX e possui três pavimentos. Durante anos ele teve o térreo e sobreloja ocupada por lojas e bares, e os demais andares por apartamentos residenciais. Depois, com o crescimento do porto, o edifício foi abandonado e transformou-se num prostíbulo. Um dos estabelecimentos mais tradicionais do local era o restaurante Gambrinus”, ensina-nos a nota da PCR.
Folêgo para os cinemas no Chanteclair
Luiz Joaquim
Depois de oito anos de espera, nova esperança para as salas com o padrão Arteplex
Quando foi anunciado, há cerca de um mês, que o Grupo BVA havia adquirido o Paço Alfândega, incluindo aí o complexo Chanteclair, e que a instituição iria investir cerca de R$ 30 milhões, sendo o maior montante desse valor direcionado ao prédio em reforma do Recife Antigo, a informação trazia também novo oxigênio aos cinéfilos da cidade, que esperam há oito anos pelas salas com o padrão Arteplex, a ser administrada pela equipe da rede Espaço Unibanco.
mês, ele lança sua nova casa, onde funcionava o antigo Cine Glauber Rocha.